Em 1998, Portugal estava no auge do optimismo. O rendimento dos portugueses atingia os 66% do da Europa a 15. Os portugueses sentiram-se ricos e compraram casas, carros, frigoríficos. O nível de consumo estava acima das possibilidades de então, mas não das de hoje.
Hoje, se Portugal voltasse ao nível de consumo de 1998 teria um saldo externo positivo que lhe permitia reduzir a dívida externa a metade em cerca de 10 anos.Esta ideia parece estranha. Estamos a dizer que, se o consumo público e privado voltasse aos níveis reais em que estava no ano da Expo, em que os portugueses estavam a consumir claramente acima das suas possibilidades, e estavam a consumir ao nível mais elevado de sempre, o País ficaria não só com um nível de consumo sustentável, mas até com um nível de consumo que chegaria para conseguir reduzir o endividamento de uma forma rápida.
Sim. Isso é verdade. Basta fazer as contas. Entretanto o PIB avançou 13%.
Saliento apenas que não defendo que reduzir o consumo de forma tão acentuada (mais de 20%) seja necessário, ou sequer desejável.
Aliás, para que Portugal consiga ter as contas externas equilibradas bastaria uma redução do consumo privado de 8%, a que se juntasse um retorno do consumo público ao nível anterior à crise (de 2007).
É importante salientar que uma redução do consumo de 8%, se acontecesse num só ano, seria sentida pelos consumidores de uma forma acentuada. No entanto, tal significaria apenas que o nível de poupança português passasse a ser semelhante ao de Espanha, o que poderia ser obtido se todos os portugueses decidissem converter o seu subsídio de Natal integralmente em poupança.
O que se está a sugerir é que os portugueses terão de viver nos próximos dez anos com um consumo entre os 12% e os 25% acima do registado em 1998. Um nível que corresponderia a uma evolução fraca, mas que não corresponderia, ao contrário do que muitos têm dito, a um empobrecimento progressivo, ou voltar a situações de miséria e de pobreza que caracterizavam Portugal nos anos oitenta ou setenta.
Não é possível fazer uma consolidação e inverter a situação de endividamento externo sem esforço e sem sacrifícios. Mas o esforço e sacrifícios necessários não se comparam aos vividos noutros ajustamentos, como os de 1975 ou os de 1983. Nessa altura, o rendimento de muitos portugueses caiu em termos reais mais de 30% e caiu de um nível muito mais baixo do que o que se encontra hoje.
Hoje o rendimento per capita de Portugal está entre os 68% e os 70% da média dos países mais ricos da União Europeia a 15 (e nos 77% da UE27). O nível de consumo privado de Portugal é mais de 20% superior ao de 1998.
O problema da última década foi o conhecido crescimento lento (de cerca de 1% ao ano), mas foi também o facto de o consumo, tanto privado como público, ter crescido mais do que o PIB (que ainda assim cresceu 16% entre 1998 e 2008 - ver quadro). É facto da despesa ser superior à produção e ter crescido mais que a produção, que levou ao problema de endividamento externo.
Corrigir esta situação exige uma moderação ou mesmo um recuo do consumo privado e público. Isto será feito com a correcção do défice, mas terá também de ser acompanhado pelo aumento da poupança privada.
Aumentar a poupança tem, assim, de ser colocado no centro das prioridades das famílias portuguesas, da mesma forma que os portugueses têm de entender a necessidade de redução da despesa pública, e em particular da despesa corrente, que, em alguns casos, acabará por afectar serviços.
Ao mesmo tempo, o País não deve descurar o outro lado da equação e tem de conseguir relançar o investimento, em particular o investimento privado. Nesse sentido, a consolidação deve ser acompanhada de medidas de aumento de competitividade da economia portuguesa. Entre estas estão alguns dos investimentos públicos estruturantes. E apenas esses devem neste momento avançar. Mas estão também muitas outras medidas de racionalização das empresas públicas, de melhoria do ensino, de simplificação, de melhoria do funcionamento dos mercados. Este é o momento de encontrar consensos para as fazer avançar.
Manuel Caldeira Cabral - Dep. Economia da UMinho
in: Jornal de Negócios