Hoje, se Portugal voltasse ao nível de consumo de 1998 teria um saldo externo positivo que lhe permitia reduzir a dívida externa a metade em cerca de 10 anos.
Esta ideia parece estranha. Estamos a dizer que, se o consumo público e privado voltasse aos níveis reais em que estava no ano da Expo, em que os portugueses estavam a consumir claramente acima das suas possibilidades, e estavam a consumir ao nível mais elevado de sempre, o País ficaria não só com um nível de consumo sustentável, mas até com um nível de consumo que chegaria para conseguir reduzir o endividamento de uma forma rápida.
Sim. Isso é verdade. Basta fazer as contas. Entretanto o PIB avançou 13%.
Saliento apenas que não defendo que reduzir o consumo de forma tão acentuada (mais de 20%) seja necessário, ou sequer desejável.
Aliás, para que Portugal consiga ter as contas externas equilibradas bastaria uma redução do consumo privado de 8%, a que se juntasse um retorno do consumo público ao nível anterior à crise (de 2007).
É importante salientar que uma redução do consumo de 8%, se acontecesse num só ano, seria sentida pelos consumidores de uma forma acentuada. No entanto, tal significaria apenas que o nível de poupança português passasse a ser semelhante ao de Espanha, o que poderia ser obtido se todos os portugueses decidissem converter o seu subsídio de Natal integralmente em poupança.
O que se está a sugerir é que os portugueses terão de viver nos próximos dez anos com um consumo entre os 12% e os 25% acima do registado em 1998. Um nível que corresponderia a uma evolução fraca, mas que não corresponderia, ao contrário do que muitos têm dito, a um empobrecimento progressivo, ou voltar a situações de miséria e de pobreza que caracterizavam Portugal nos anos oitenta ou setenta.
Não é possível fazer uma consolidação e inverter a situação de endividamento externo sem esforço e sem sacrifícios. Mas o esforço e sacrifícios necessários não se comparam aos vividos noutros ajustamentos, como os de 1975 ou os de 1983. Nessa altura, o rendimento de muitos portugueses caiu em termos reais mais de 30% e caiu de um nível muito mais baixo do que o que se encontra hoje.
Hoje o rendimento per capita de Portugal está entre os 68% e os 70% da média dos países mais ricos da União Europeia a 15 (e nos 77% da UE27). O nível de consumo privado de Portugal é mais de 20% superior ao de 1998.
O problema da última década foi o conhecido crescimento lento (de cerca de 1% ao ano), mas foi também o facto de o consumo, tanto privado como público, ter crescido mais do que o PIB (que ainda assim cresceu 16% entre 1998 e 2008 - ver quadro). É facto da despesa ser superior à produção e ter crescido mais que a produção, que levou ao problema de endividamento externo.
Corrigir esta situação exige uma moderação ou mesmo um recuo do consumo privado e público. Isto será feito com a correcção do défice, mas terá também de ser acompanhado pelo aumento da poupança privada.
Aumentar a poupança tem, assim, de ser colocado no centro das prioridades das famílias portuguesas, da mesma forma que os portugueses têm de entender a necessidade de redução da despesa pública, e em particular da despesa corrente, que, em alguns casos, acabará por afectar serviços.
Ao mesmo tempo, o País não deve descurar o outro lado da equação e tem de conseguir relançar o investimento, em particular o investimento privado. Nesse sentido, a consolidação deve ser acompanhada de medidas de aumento de competitividade da economia portuguesa. Entre estas estão alguns dos investimentos públicos estruturantes. E apenas esses devem neste momento avançar. Mas estão também muitas outras medidas de racionalização das empresas públicas, de melhoria do ensino, de simplificação, de melhoria do funcionamento dos mercados. Este é o momento de encontrar consensos para as fazer avançar.
Manuel Caldeira Cabral - Dep. Economia da UMinho
in: Jornal de Negócios
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