"O Facebook começou por ser um meio através do qual os estudantes universitários estabeleciam contactos superficiais entre si com o objetivo de se meterem na cama uns com os outros. Depois, degenerou. E hoje perdeu prestígio a ponto de albergar até uma página do Presidente da República. Dos nobres propósitos de outrora já quase não resta nada.
Fazer política no Facebook faz tanto sentido como cozinhar no Powerpoint. Uma coisa é um político descer a alameda e discursar para milhares de pessoas, como fez Soares em 75, na Fonte Luminosa. Outra coisa é pôr um post no Facebook e receber likes. Não é bem política, é informática.
O post que Pedro Passos Coelho publicou no Facebook antes de ir de férias aprofunda a degeneração daquela rede social. Trata-se de um texto chamado "Uma pequena reflexão de verão", e no momento em que escrevo há 1 483 pessoas que gostam dele. Não admira. Por um lado, é uma pequena reflexão, o que a distingue das grandes reflexões de que o primeiro-ministro costuma ser capaz. Passos Coelho já tinha dito que gostava de governos pequenos, e agora indica que também prefere reflexões pequenas. Por outro lado, é uma reflexão de verão. Passos Coelho sabe que, em pleno agosto, poucas pessoas teriam paciência para reflexões de inverno (normalmente mais sombrias). Fazer uma reflexão de outono talvez fosse previdente, e poderia revelar um estadista com os olhos postos no futuro, mas soaria a jogada de antecipação artificial e vã. E todos os compêndios de ciência política desaconselham as reflexões de primavera, por causa das alergias. Politicamente, a meditação estival era a decisão mais correta.
No essencial, a mensagem de Passos Coelho serve dois propósitos: anunciar as férias dele e estragar as nossas. O primeiro-ministro começa por descrever a situação em que o país se encontra, e lança mão de um recurso estilístico interessante para pintar a realidade em tons fortes e realistas: o segundo parágrafo termina mencionando o nosso "grande esforço coletivo", mas o terceiro começa com uma referência ao "enorme trabalho" que teremos e acaba a assinalar que será preciso fazer um "enorme esforço". O que num parágrafo era "grande esforço", no parágrafo seguinte é "enorme esforço" muito por ação, talvez, do "enorme trabalho". Assim, Passos Coelho indica que o esforço dos portugueses passa de grande a enorme ao mesmo ritmo a que os juros da dívida crescem.
É nesse ponto que o primeiro-ministro anuncia que vai de férias. Não são, no entanto, umas férias quaisquer. Ele não vai para a beira-mar emborcar piña coladas.
Vai "recuperar algum tempo do seu papel enquanto marido e pai" porque "afinal é nas situações mais simples que podemos encontrar os momentos de maior felicidade ". Aqui, finalmente, o utilizador do Facebook (a que antigamente se chamava cidadão) encontra finalmente um motivo para ter esperança. Passos Coelho está convencido de que ser marido e pai são "situações simples", e que as férias em família proporcionam momentos de grande felicidade. Não é só o povo português que tem a vida estragada. Alguém vai ter uma grande surpresa neste verão".
Ricardo Araújo Pereira
Ricardo Araújo Pereira
in: Visão
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