"Passos Coelho, efectivamente, mentiu ao país durante um mês. "Omitiu deliberadamente" o encontro a sós com José Sócrates na véspera da apresentação do PEC IV e transformou-o num "telefonema do primeiro-ministro" para sustentar a inflexibilidade negocial de Sócrates e o desejo do primeiro-ministro de provocar uma crise política.
Como José Sócrates se esteve nas tintas para o Presidente da República, não custava nada à opinião pública acreditar na verosimilhança da versão do líder do PSD - um telefonema breve para despachar um assunto sem despacho possível.
Porque mentiu Passos Coelho? Por orgulho ferido, simplesmente. Não queria voltar atrás, em público, na sua promessa grandiloquente de nunca mais se reunir a sós com o primeiro-ministro.
Mas correu tudo mal. Passos Coelho foi apanhado em duas mentiras (ou inverdades, a palavra de preferência dos políticos) em sequência. Primeiro voltou atrás na promessa de nunca mais se reunir a sós. Depois de se desdizer nisto, inventou um telefonema em substituição de um encontro. Foi penoso ver Passos Coelho na TVI explicar que houve de facto um telefonema - para marcar o encontro, claro.
Há qualquer coisa de tocante na ingenuidade de Passos Coelho, embora isso provavelmente não lhe renda grande coisa: como é que imaginou que o encontro com Sócrates permaneceria secreto? Se as coisas tinham corrido tão bem antes - ao ponto de fazer aquela jura desajustada de "nunca mais a sós" -, porque imaginou que Sócrates cumpriria a jura secreta? É quase comovente. Numa luta entre o lobo e o cordeiro, ganha sempre o lobo - o risco de esta metáfora se tornar significativa à medida que a campanha avançar é muito grande para as ambições eleitorais do PSD.
Mas a "omissão deliberada" de Passos Coelho vem trazer alguma luz sobre os acontecimentos que levaram à demissão do governo. Apesar de tudo, e ao contrário das aparências que o gesto do "telefonema" parecia manter, Sócrates tentou mesmo negociar com Passos. E saiu do famoso encontro convencido de que poderia haver alguma abertura para que o PSD desse o aval ao plano de austeridade exigido por Bruxelas. De resto, as palavras cautelosas de Miguel Relvas, o secretário-geral do PSD, na manhã seguinte, confirmam a hesitação do PSD. Numa conferência de imprensa na sede do partido, Relvas mostrou abertura a viabilizar as exigências de Bruxelas. Só depois de o resto da direcção ter sido ouvida - e nomeadamente depois de Marco António ter feito a famosa ameaça de que ou haveria eleições no país ou haveria no PSD - é que a decisão de chumbar o PEC IV se tornou irreversível.
Os portugueses podem estar com Sócrates pelos cabelos, mas as hesitações, as omissões e as confusões de Passos Coelho não servem de grande bálsamo. Ontem quem esteve a ganhar foi Portas, que se pôs acima deste insuportável ruído."
in: "i"
Como José Sócrates se esteve nas tintas para o Presidente da República, não custava nada à opinião pública acreditar na verosimilhança da versão do líder do PSD - um telefonema breve para despachar um assunto sem despacho possível.
Porque mentiu Passos Coelho? Por orgulho ferido, simplesmente. Não queria voltar atrás, em público, na sua promessa grandiloquente de nunca mais se reunir a sós com o primeiro-ministro.
Mas correu tudo mal. Passos Coelho foi apanhado em duas mentiras (ou inverdades, a palavra de preferência dos políticos) em sequência. Primeiro voltou atrás na promessa de nunca mais se reunir a sós. Depois de se desdizer nisto, inventou um telefonema em substituição de um encontro. Foi penoso ver Passos Coelho na TVI explicar que houve de facto um telefonema - para marcar o encontro, claro.
Há qualquer coisa de tocante na ingenuidade de Passos Coelho, embora isso provavelmente não lhe renda grande coisa: como é que imaginou que o encontro com Sócrates permaneceria secreto? Se as coisas tinham corrido tão bem antes - ao ponto de fazer aquela jura desajustada de "nunca mais a sós" -, porque imaginou que Sócrates cumpriria a jura secreta? É quase comovente. Numa luta entre o lobo e o cordeiro, ganha sempre o lobo - o risco de esta metáfora se tornar significativa à medida que a campanha avançar é muito grande para as ambições eleitorais do PSD.
Mas a "omissão deliberada" de Passos Coelho vem trazer alguma luz sobre os acontecimentos que levaram à demissão do governo. Apesar de tudo, e ao contrário das aparências que o gesto do "telefonema" parecia manter, Sócrates tentou mesmo negociar com Passos. E saiu do famoso encontro convencido de que poderia haver alguma abertura para que o PSD desse o aval ao plano de austeridade exigido por Bruxelas. De resto, as palavras cautelosas de Miguel Relvas, o secretário-geral do PSD, na manhã seguinte, confirmam a hesitação do PSD. Numa conferência de imprensa na sede do partido, Relvas mostrou abertura a viabilizar as exigências de Bruxelas. Só depois de o resto da direcção ter sido ouvida - e nomeadamente depois de Marco António ter feito a famosa ameaça de que ou haveria eleições no país ou haveria no PSD - é que a decisão de chumbar o PEC IV se tornou irreversível.
Os portugueses podem estar com Sócrates pelos cabelos, mas as hesitações, as omissões e as confusões de Passos Coelho não servem de grande bálsamo. Ontem quem esteve a ganhar foi Portas, que se pôs acima deste insuportável ruído."
in: "i"
Sem comentários:
Enviar um comentário