17 de janeiro de 2011

A boa moeda

Cavaco Silva pediu para não se deixar aos mais medíocres e aos menos sérios o poder de decisão. O insulto deixa evidente que o debate sobre a sua é um imperativo a que ele próprio nos obriga. seriedade.

Para apelar ao voto dos jovens, Cavaco Silva deixou frase enigmática: "Pensem bem o que significa alhear, deixar àqueles que são mais medíocres, àqueles que têm menos conhecimentos e capacidades, aqueles que são menos sérios, o poder de decisão".

Sabemos que o Presidente não tem uma relação fácil com verbo - os exercícios interpretativos das incompreensíveis declarações públicas do Presidente são já um clássico da política portuguesa -, mas seria bom perceber qual é a ideia. Que os mais velhos são medíocres? Espero que não. Que quem costuma votar é pior do que quem não vota? Seria estranho. Que os mais velhos tendem a escolher gente menos capaz? Improvável. Talvez o candidato queira dizer, na sua língua de trapos, que é necessário ir votar nele para impedir que se escolham medíocres, desonestos, incapazes e ignorantes.

Feita a mais benigna das interpretações, o que Cavaco Silva deixa nesta frase é o que deixou em toda a campanha e, diga-se em abono da verdade, durante quase toda a sua carreira política: a arrogância como programa político. Já foi assim nos debates com quase todos os candidatos, assim continua.

O que se tira desta declaração é que o que divide Cavaco Silva dos restantes oponentes são as qualidades pessoais de cada um. E qualidades de caráter. Segundo o Presidente, que sempre teve de si próprio uma opinião que se aproxima perigosamente da megalomania, os seus opositores são mais medíocres, menos conhecedores e capazes, e, veja-se bem, menos sérios do que ele. O discurso de Cavaco Silva sempre se resumiu a isto mesmo: ele é a boa moeda. E fala assim o homem que teve, até há uns meses, Dias Loureiro como um dos seus principais homens de confiança.

Cavaco Silva tem de se decidir. Ou quer falar dos problemas do país, e abandona de uma vez por todas o elogio quase delirante às suas qualidades pessoais, concentrando-se nas alternativas políticas que se apresentam nestas eleições, ou mantém esta estratégia e temos todo o direito a escrutinar se o que diz sobre si próprio é comprovável. Ou os seus traços de caráter não são relevantes nestas eleições e ele não se compara nesse domínio aos restantes candidatos, ou eles são fundamentais para o nosso voto e esse é um tema desta campanha.

Se são um tema, digo sem rodeios: não confio na seriedade de Cavaco Silva. Não confiava quando o seu governo se enterrava em escândalos de corrupção, quando Dias Loureiro era ministro e Oliveira Costa era secretário de Estado e quando os dinheiros europeus serviam para engordar patos bravos. Não confio quando fica evidente que continuou, durante anos, a fazer negócios com a quadrilha do BPN. Não confio nas capacidades políticas de Cavaco Silva. Não confiava quando escolheu, numa das maiores oportunidades que Portugal já teve, o modelo de desenvolvimento que nos levou à ruína e quando tratava da contestação de estudantes, de trabalhadores, de utentes da ponte 25 de abril ou de forças de segurança à bastonada. Não confio quando o vejo embrenhar-se numa novela como a das escutas ou deixa que o País seja insultado pelo chefe de Estado checo, ao seu lado, sem abrir sequer a boca. Não confiava nem confio nos conhecimentos de Cavaco Silva sempre que demonstrou e continua a demonstrar a sua inquietante iliteracia e a sua perturbante falta de Mundo.

Estarei a ser insultuoso para o nosso Presidente? Não mais do que Cavaco Silva foi ao referir-se aos seus opositores. É que já cansa tanta pesporrência.

in: Expresso

1 comentário:

amsf disse...

Já encontrei o candidato que há-de levar o meu cartão vermelho às elites portuguesas, esse candidato é o José Manuel Coelho.

Palhaço e maluco é o povo que vota sempre da mesma maneira esperando obter resultados diferentes!