20 de dezembro de 2010

Livrem-nos dos políticos com nojo da política


Alguns candidatos à Presidência fazem da sua falta de currículo político a sua grande vantagem. Outros fizeram uma carreira inteira a fingir que era outra coisa que estavam a fazer. O cargo de Presidente é para políticos experientes. Daqueles que se orgulham de o ser.

As campanhas eleitorais não dizem muito sobre os candidatos. Dizem mais sobre o que os candidatos acham que os eleitores querem ouvir. E em tempo de crise, quando o sistema político parece ser incapaz - até pelas limitações impostas por uma União Europeia politicamente paralizada - de encontrar soluções ou apontar caminhos, tudo o que os candidatos à Presidência não querem parecer é políticos. Apesar de, como é evidente, tendo em conta o cargo a que se candidatam, não poderem ser nem mais nem menos do que isso.

Fernando Nobre, naquele que é o pior tique que um político pode ter - e confesso que esta sua postura me espanta - mostrou como seu principal currículo político não ter currículo político nenhum. Chegou ao ponto de acusar Francisco Lopes de ser responsável pelo estado em que o País está já que, veja-se o escândalo, é deputado. Como se ter sido escolhido pelo povo para um cargo que depende do voto democrático tornasse um cidadão cúmplice de tudo o que aconteça de mal. Disse que ele fazia parte do sistema, essa nebelosa que torna tudo indiferenciado e que supostamente distingue quem nunca se meteu nesse nojo que é o confronto democrático.

Defensor Moura também acusou Manuel Alegre de ser político. Coisa feia, bem se vê. Isto, apesar dele ser deputado em exercício, ter sido presidente de câmara e ter uma longa vida partidária. Temos então os políticos, os não políticos e os políticos só um bocadinho.

Cavaco Silva já tem muitos anos deste discurso. Ele paira sobre a política mas parece nunca lhe tocar. Não ser político é a sua imagem de marca. O elemento distintivo de um dos homens que há mais tempo faz política no País.

Todos eles são candidatos à Presidência da República. Um cargo que nada tem de executivo ou técnico. Um cargo absolutamente político. Um cargo que, exigindo um enorme conhecimento das instituições e dos equilibrios partidários, deveria exigir um vasto currículo com provas dadas em cargos políticos. Enfim, um cargo reservado a políticos. Não a homens que deprezam a política ou querem passar a imagem que dela têm nojo, mas aos que a vêem como a mais nobre das actividades a que um cidadão se pode dedicar. Até porque, mesmo quem tenha provas dadas de ausência de currículo nesta área (coisa estranha, a de ter na inexperiência uma vantagem), perderia essa virgindade no dia em que entrasse no Palácio de Belém.

Conhecemos de sempre este filme: políticos que fazem do ódio à política uma arma de propaganda. Acontece-lhes uma de duas coisas. A menos má: rapidamente se tornam iguais a todos os que criticaram. A pior: a sua inexperiência, voluntarismo ou falta de consistência traduz-se em incompetência ou desrespeito pelas regras democráticas.

Lembro-me das melhores eleições eleições presidenciais que este país viveu: Mário Soares, Freitas do Amaral, Salgado Zenha e Maria de Lurdes Pintansilgo. Todos políticos de primeira água que puxavam dos galões da sua experiência. E à frente dos partidos tinhamos ainda Sá Carneiro e Álvaro Cunhal, dois políticos absolutos, mestres tácticos e tribunos temíveis. O que nos aconteceu para termos chegado a este nível de indigência, onde ter currículo político é tratado como defeito ou motivo de vergonha?

Para não pôr tudo no mesmo saco, há dois candidatos que não têm seguido este caminho: Manuel Alegre e Francisco Lopes. Os dois assumem o seu passado e a sua militância. São, de formas diferentes, políticos assumidos. E, num tempo em que a demagogia derrapa para um preocupante desprezo pela democracia que conquistámos há 36 anos, isso só diz bem deles. Por mim, quero um político como Presidente. E que tenha orgulho nisso.

in: Expresso

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