4 de novembro de 2010

Economia


"A Reserva Federal vai comprar mais dívida pública norte-americana. Onde é que Ben Bernanke vai buscar o dinheiro? A lado nenhum. Os bancos centrais das zonas monetariamente soberanas criam o dinheiro. Um facto político tão simples que a mente bloqueia, como dizia o grande economista John Kenneth Galbraith. Acompanho Helena Garrido sobre as diferenças entre UE e EUA. Nos EUA não há tantas separações entre política monetária e orçamental. Isto não quer dizer que esta última tenha sido aí, por exemplo mesmo quando comparada com a Alemanha, tão contra-cíclica como se diz.

Vejam também o Japão: um país com uma dívida pública bruta sem precedentes, que representa 227% do seu PIB, consequência da oscilação, que dura há mais de uma década, entre recessão e estagnação, depois do rebentamento de uma bolha imobiliária causada pela liberalização do sistema financeiro. Apesar dessa dívida, o Japão não tem problemas de financiamento, em parte porque tem um banco central que faz o que é tão necessário como escandalosamente simples: detém metade da dívida pública do país, imprimindo moeda para a adquirir e devolvendo os juros ao governo. Os países verdadeiramente soberanos podem fazer coisas semelhantes: do Canadá ao Reino Unido, passando, claro, pelos EUA.

A inflação, a inflação, dirão logo alguns, os mesmos que ainda não repararam no atoleiro em que estão há mais de dois anos. Na Europa, no Japão ou nos EUA, o problema é mesmo o perigo da deflação e os seus efeitos perversos: aumento do fardo real da dívida e destruição da capacidade produtiva. Os EUA estão dispostos a usar, ainda que de forma tímida para a dimensão dos problemas, alguns dos instrumentos de política disponíveis para superar a crise. O grande problema, claro, é que a política orçamental está politicamente bloqueada e o crédito não tem enquadramento público suficiente.

E a UE? Na UE, os tratados separaram explicitamente a política orçamental da política monetária. Uma bizarria que vai custar caro aos cidadãos europeus e, em última instância, ao próprio euro, como sublinha William Mitchell, um excelente economista keynesiano australiano, que sugere, numa análise impecável, e em alternativa, o desmembramento do euro, a criação de uma verdadeira política orçamental europeia, suportada pela política monetária, ou a emigração para a Austrália, dado o inferno económico europeu, em especial nas periferias atingidas pelo desemprego de massas duradouro. A segunda opção é uma impossibilidade política. A primeira e a terceira são as mais prováveis..."

in: Ladrões de Bicicletas

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