17 de setembro de 2010

Um partido a vapor

"Ferreira Leite nunca associou o TGV ao problema do financiamento externo pela simples razão de que esse problema só apareceu em 2010. Primeiro, saiu-se com o fantasma de que o TGV não iria dar lucro, depois que seria um encargo que não permitiria baixar os impostos, a seguir que ficaria como despesa a pesar durante os próximos 30 anos, por fim que o Governo devia adiar a decisão para depois das eleições em Setembro, não comprometendo um eventual Governo do PSD. E isto sempre em relação com o novo aeroporto e restantes grandes obras públicas. Era algo que tinha para dizer, prontos, faltando algo que valesse a pena ser dito.

Foi isso, e só isso (se esquecermos a internacionalista alusão aos cabo-verdianos e ucranianos), que a Manela andou a papaguear sem ter alguma vez explicado o que faria para além de parar tudo. Não espanta, então, que a sua claque – comentando agora uma decisão tomada e publicitada em Maio – venha mentir à boca cheia. Os proprietários da verdade são sempre os maiores mentirosos, isso é sabedoria banal de conto infantil. De resto, não existe nenhuma correlação entre as notícias acerca do TGV e do aeroporto e as flutuações no risco da dívida – quem quiser perder tempo, que faça quadros cronológicos comparativos. O mercado reage num misto, indiscernível, de estratégias individuais de ganhos, e de reacções colectivas, a certas fontes de informação seleccionadas pelo seu valor de referência para o cálculo de curto prazo. Se alguma autoridade europeia de topo se pronuncia, seja de que forma for, acerca da economia nacional, o mercado ouve e age no imediato. Se o Governo anuncia que faz obras públicas, seja qual for a dimensão do investimento, o mercado tem mais em que pensar. Não se ganha dinheiro, num sistema onde os agentes são especialistas em volatilidade, fazendo cálculos a 15, 10 ou 5 anos. Isso é para os pacholas animais domésticos dos governantes e comunidades locais, não para os felinos e abutres da alta finança global.

Aliás, se o mundo não mudou no princípio de 2010, que mal fizemos ao PSD para não nos ter avisado do que vinha a caminho? Não podiam ter explicado logo, um mês ou dois antes das eleições, que a Grécia andava a fazer maroscas com as suas contas públicas? E que a União Europeia seria atabalhoada na resposta aos ataques à sua moeda, fragilizando os países que mais precisavam de investimento público para acelerar e robustecer a recuperação económica? Isso teria muito maior impacto nos resultados eleitorais do que a aposta na Moura Guedes, Pacheco Pereira e pastéis de Belém. Seria como um TGV em direcção ao Poder, em vez do barulhento, poluidor e lentíssimo comboio a vapor com que foram a votos".

in: Aspirina B

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