16 de novembro de 2007

O crescimento insustentável da economia

O artigo transcrito é um óptimo exemplo de como a economia não pode ser só o objectivo de uma sociedade.
Escrito por João Cutileiro, publicado no Expresso a 3 de Novembro

"O trabalho do menino é pouco mas quem não o aproveita é louco

Crianças faziam "T-shirts" para a Gap num fornecedor em Shapur Jat, bairro de Nova Deli considerado pelas Nações Unidas a capital mundial do trabalho infantil. Gap, que tem código ético e em 2006 rescindiu contratos a 23 fábricas por razões parecidas, disse que essas "T-shirts" serão destruídas e abriu um inquérito. A notícia indignou o mundo rico. Segundo o jornal que a deu, as crianças, algumas com dez anos, eram alugadas por somas irrisórias e levavam pancada se não dessem conta do recado. 55 milhões de crianças de menos de 14 anos trabalham na Índia, contribuindo fatia anafada do PIB do país.
Não é novidade. Até há pouco tempo acontecia o mesmo por todo o mundo. O ditado do título não é uma pérola de sabedoria indiana - era o "slogan" de um anúncio que se publicava há meio século na imprensa rural portuguesa com o desenho de um petiz, devidamente descalço, lançando punhados de adubo a terra lavrada. Alguns já se incomodavam: em 1941, Soeiro Pereira Gomes dedicara o romance neo-realista 'Esteiros' "aos filhos dos homens que nunca foram meninos".
Hoje na Europa os costumes são outros. Perguntei à albanesa do Kosovo que me corta o cabelo em Bruxelas como ia o desemprego na terra dela. "Não há". "Não há?!" "Não. Não é como aqui. Parentes e amigos que nos vêm ver até se espantam de o meu marido e eu não aproveitarmos, em vez de termos de trabalhar nos empregos". Desemprego, para ela, queria dizer subsídio de desemprego, alternativa mirífica do Eldorado europeu, pelos vistos preferida por muitos dos seus compatriotas a formas mais laboriosas de ganha-pão. Na realidade, o desemprego roça os 50% naquela província da Sérvia onde, como não há subsídio, a ociosidade leva mais ao crime do que à obesidade e à depressão, ao contrário do que acontece em países europeus ocidentais, inventores e praticantes antigos do Estado social.
Com tudo isto, a economia indiana irá crescer 8% este ano - quase tanto quanto a chinesa - e a europeia não irá muito além de 2,4%, apesar de os antigos países de Leste, cujas economias são muito mais dinâmicas do que as da Velha Europa. E tudo se passa à vista de todos: vitórias e derrotas distantes conhecem-se no momento e no momento o dinheiro vem e vai. Nunca se soube no mundo de tantas oportunidades e de tantas ameaças ao mesmo tempo. Os exploradores de meninos em fábricas na Ásia, os vigarizadores de casais americanos ignorantes que perderam as casas em más hipotecas têm até agora escapado impunes. Mas desenha-se um ímpeto moralizante. Escolas de negócios começam a ensinar ética aplicada; o fundo calvinista do capitalismo estrebucha contra corrupção e hipocrisia, parasitas persistentes do poder.
Entre crianças esmifradas pelo trabalho, adultos apodrecidos pelo desemprego, famílias postas na rua pela cupidez do mercado terá de se ir alargando um espaço de liberdade e de decência. Embora se note pouco muitos porfiam por isso e não se abatem."


Fonte: Expresso

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