4 de agosto de 2011

Não vou ter de nascer duas vezes


Experiências com ratos demonstram que é possível estar acordado e ter o cérebro parcialmente a dormir. Essa é a explicação mais bondosa para o facto de o governador do Banco de Portugal ter demorado sete anos a perceber que algo de muito errado e ilegal se passava no BPN.

Podem aventar-se outras explicações para o facto de Vítor Constâncio ter ignorado as reservas que os auditores da Deloitte levantavam às contas do banco e os alertas constantes do trabalho publicado em 2001 na capa da "Exame", denunciando irregularidades e levantando bem fundamentadas dúvidas sobre a gestão de Oliveira e Costa.

Falar na desadequada graduação das lentes dos óculos de Constâncio pode ser uma piada de gosto duvidoso. Considerar que se tratou de uma letal combinação de negligência e incompetência é uma hipótese mais plausível, mas também muito dolorosa, pois ele não só não está arrolado como cúmplice involuntário desta gigantesca burla como, ainda por cima, acabou recompensado com uma vice-presidência do Banco Central Europeu.

Enquanto Portugal dormia sossegado, na doce ignorância, uma data de gente conhecida arruinava o BPN, como está documentado nos 70 volumes e 700 apensos que constituem o processo legal de uma catástrofe financeira, que apesar de ainda não ter conhecido o seu epílogo já nos custou, grosso modo, o equivalente a um 13.º mês para todos os contribuintes.

Da longa lista dos beneficiários da catástrofe consta o clássico Vale e Azevedo, que urdiu um ardiloso esquema para sacar dois milhões de euros ao BPN.

Dias Loureiro não poderá devolver um dólar sequer dos 71 milhões USD que gastou a comprar duas tecnológicas em Porto Rico (que faliram logo de seguida...) porque não tem nada em seu nome, nem mesmo o famoso taco de golfe que mandou fazer no Japão e ele garante ser o melhor do Mundo.

Duarte Lima, outro nome do Gotha cavaquista, comprou uma off-shore ao BPN e sacou um empréstimo de dois milhões de euros ao Insular, o banco fantasma de Cabo Verde do grupo.

Cavaco e a sua filha Patrícia lucraram, em menos de dois anos, 375 mil euros (mais ou menos o que ganha numa vida um português médio), num negócio com acções da SLN (a holding que controlava o BPN), vertiginosamente valorizadas em 140%.

Tenho a certeza de que Cavaco e Vale e Azevedo não são madeira da mesma árvore. Sei que o PR deve estar arrependido da amizade e protecção que deu a Dias Loureiro e Duarte Lima. E acredito que se soubesse o que sabe hoje não aceitaria o negócio de favor que lhe foi proporcionado pelo seu ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Mas estamos a viver aqueles tempos em que "já não é possível dizer mais, mas também não é possível ficar calado" (cito Manuel António Pina). Por isso declaro que não sinto a necessidade de nascer duas vezes para ser tão honesto como Cavaco.
in: JN

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