Por uma qualquer razão não facilmente descortinável, o presidente da República afirmou esta semana que a situação do país está insustentável. A afirmação, mesmo que corresponda à verdade, não faz qualquer sentido.
Antes de mais, Cavaco Silva, sendo presidente da República, não pode pactuar com uma situação insustentável. Tem de agir. Nem que isso signifique demitir o Governo. Depois, não adianta a Cavaco dizer que se pauta na vida pública por honestidade e por verdade. Não se duvidando que tal seja verdade, todos os políticos dizem o mesmo. Essa é, aliás, a sua obrigação. E não adianta também recordar que há muito vem chamando a atenção para a situação, porque isso significa apenas uma de duas coisas, e ambas más para si próprio: ou ninguém o ouviu, ou os seus reparos caíram em saco roto.
Como para que haja cooperação estratégica Belém-S. Bento não basta que um diga que ela exista e o outro compareça às reuniões semanais, a resposta de Sócrates foi curta e dura, ainda que não directamente lançada a Cavaco. Sócrates lamentou-se de muitas vezes se sentir sozinho a puxar pelas energias do país. Poderia até ter citado Cavaco, quando, sendo ainda primeiro--ministro, disse "deixem-me trabalhar".
O que se passa é que o primeiro-ministro sente ser sua obrigação adoptar uma atitude sempre positiva, de não desistência, de optimismo perante as maiores dificuldades. Mas como os resultados são o que são. E como a crise não desaparece, a atitude de Sócrates soa muitas vezes a inconsciência ou a autismo. Dir-se-á que não faria mal o primeiro-ministro reconhecer alguns erros, ou a inconsequência de algumas medidas. Certamente não. Mas o facto de isso não suceder não deveria ser tentação suficiente para Cavaco Silva vir a público falar como um dirigente da Oposição.
Nos próximos meses, episódios como este poderão repetir-se, se Cavaco não resistir à tentação da proximidade das eleições presidenciais. Não clarificam coisa nenhuma. Apenas contribuem para o lento apodrecimento da situação, apenas aumentam o descrédito que vai grassando na vida pública portuguesa.
in: JN
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