No Inverno de 1899, apeava-se em Lousada, vindo de Lisboa, um jovem de 23 anos. Chamava-se Augusto Eliseu de São Boaventura e fora nomeado Administrador do Concelho, cargo de magistratura administrativa, existente em Portugal entre 1835 e 1937, a quem competia a representação do Governo para o cumprimento da Lei, das regras da administração pública e da autoridade policial.
Muito poucos anos permaneceu São Boaventura em Lousada. No entanto, a sua participação na sociedade concelhia foi tão envolvente e a apreciação pelas virtualidades locais tão sincera que as verteu em crónicas, quarenta anos depois das suas inolvidáveis vivências, quando regressou em breve visita para matar saudades e partiu mais saudoso ainda.
Primeiramente publicadas no “Jornal de Lousada” em 1939, e imediatamente compiladas num livro admirável – precisamente intitulado “Saudades! Saudades!” -, reeditado pela Câmara Municipal em 1997, são um emocionante repositório da hospitalidade de um povo que continua a entrelaçar o passado e o futuro em garbosa harmonia.
As tradições do Carnaval e da Páscoa, as romarias, os bailes, a caça ou o ambiente de fidalguia das casas senhoriais são retratados com enorme sensibilidade, tal como as descrições da Vila de Lousada, “mais alegre, mais pitoresca, mais garrida”, do Monte do Senhor dos Aflitos, com os seus “admiráveis e frescos jardins. Soberbos arvoredos. Ruas cheias de frescura e poesia” e de uma região, que é “um paraíso, com todos os seus encantos e todas as suas maravilhas”.
Na gastronomia, a rendição às “sopas e mais sopas, guisados e mais guisados, saladas e mais saladas, assados e mais assados, peixes e mais peixes, frutas e mais frutas, aos “doces feitos por gentilíssimas mãos” e ao soberbo e “rico pão-de-ló, daqueles do tamanho de rodas de carro, tão doce, tão delicado e tão fofo como beijinhos de moça casadoira”. A acompanhar, um “vinhinho verde, rubro, espumoso, saltitante, capaz de rachar pedras e que alegrava o coração, que abria a inteligência e que acariciava a alma”.
São Boaventura, que era também jornalista, acompanhando o rei D. Carlos nas suas visitas à Madeira, aos Açores, a Paris, que comeu à mesa com um Imperador, com reis e Presidentes da República, sublinha mesmo: “comi bem, apreciei cozinhas diferentes e iguarias raras (…) mas tão variados pratos, tão admiravelmente condimentados, só em Lousada.
Daí não surpreender a confissão do escritor Fialho de Almeida, alentejano convicto, em bilhete dirigido ao São Boaventura tempos depois de uma visita que aqui lhe fez: “Cama dura. Caldo de Deuses. Vinho de Altar. Sobe aos Céus. Não voltes a Lisboa. Já estás no Paraíso.”
Mais de um século volvido, Lousada continua fiel a si própria, rejuvenescida por novas propostas, novos programas, novos empreendimentos.
Se ainda pudesse regressar, São Boaventura repetiria, ainda com mais emoção, o estribilho com que encerrou cada uma das crónicas: “Lousada, que foste a maravilha da minha mocidade e és a maior saudade da minha velhice!”
Eduardo Vilar - in: Verdadeiro Olhar
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