13 de abril de 2010

A justiça portuguesa - Marinho Pinto

Sempre defendi que na justiça não pode haver revoluções mas sim reformas. Só que também alertei que aonde não se fizerem as reformas necessárias, mais cedo ou mais tarde terá de haver uma revolução. São as evidências da história que o mostram.

Os tribunais portugueses tornaram-se em locais onde se cometem algumas das mais escandalosas ilegalidades

O que se está a passar hoje na justiça portuguesa prenuncia uma revolução que já se afigura como inevitável, porque não se fizeram as reformas que adaptassem a nossa justiça ao estado de direito e à democracia. A justiça não foi capaz de se modernizar e, por isso, está hoje em conflito aberto com o desenvolvimento e a modernidade.

E tudo porque o estado não criou um novo arquétipo de magistrado, antes optou por manter o antigo como se ele fosse capaz de assimilar os valores da democracia e do estado do direito. O resultado está à vista: os magistrados apropriaram-se da justiça e administram-na a seu-bel prazer como quem exerce um poder absoluto e não como quem presta um serviço à comunidade. Eles mantiveram os poderes ilimitados que detinham desde o estado novo e usam-nos, muitas vezes, apenas para agredir os direitos das pessoas e dos próprios Advogados, incluindo o seu sigilo profissional.

Os tribunais portugueses tornaram-se locais onde frequentemente se cometem algumas das mais escandalosas ilegalidades, sem que as vítimas possam sequer recorrer. Os magistrados convenceram-se de que tudo lhes é permitido, apenas porque eles e só eles podem interpretar e aplicar as leis. Casos flagrantes de corrupção foram pura e simplesmente varridos para debaixo do tapete, com absolvições escandalosas, unicamente porque os visados eram juízes. Mas, apesar disso, alguns deles não se inibem de fazer julgamentos morais, em público, sobre outras pessoas.

Os magistrados portugueses consideram que o princípio da separação de poderes não se lhes aplica e, por isso, interferem com os poderes legislativos e executivo, alegando que também são cidadãos e não podem ficar diminuídos nos seus direitos. Para eles a separação de poderes serve apenas para os manter fora de qualquer sindicância democrática.

Querem ser tudo e o seu contrário. Arrogam-se titulares do órgão de soberania tribunais, mas constituem sindicatos para pressionar os outros poderes em ordem a aumentar os seus privilégios corporativos. Chegam mesmo a fazer greves às funções soberanas em que estão investidos, apenas porque - dizem - também são trabalhadores. Estranho país este em que os titulares de alguns órgãos de soberania são trabalhadores sindicalizados. Atribuem-se o poder de espiar as mais altas figuras do estado, através de escutas telefónicas sem respeito pelos requisitos formais que as leis processuais impõem, porque interpretam essas leis em função das suas conveniências e interesses.

Sentem que podem politizar e partidarizar as suas funções soberanas apenas porque sabem que a independência e a irresponsabilidade funcionais de que gozam os torna intocáveis e acima de qualquer escrutínio dos cidadãos. Muitas das suas genuínas motivações são políticas (como se vê pelas declarações públicas de alguns deles falando em nomes dos outros) e o seu verdadeiro objectivo é atacar os titulares de outros poderes soberanos com quem estão permanentemente em emulação.

Entendem que podem violar sistematicamente o segredo de justiça (com objectivos políticos e para criar artificialmente alarme social para fins processuais), apenas porque sabem que nada acontecerá, pois são eles que têm a última palavra sobre a instauração e o julgamento de qualquer processo-crime.

Os magistrados portugueses (ou alguns falando em nome deles) lançam permanentemente suspeitas infamantes sobre os patrimónios dos políticos, mas os patrimónios deles próprios estão bem resguardados e não são declarados ao Tribunal Constitucional.

Enfim, julgam que os seus poderes não têm limites e por isso agem como se tudo lhes fosse consentido no convencimento ingénuo de que a sociedade democrática lhes vai tolerar essa postura por muito mais tempo.

Eles chegaram ao ponto de inscreverem no seu estatuto funcional o privilégio ridículo de poderem entrar numa discoteca sem pagar o consumo mínimo obrigatório. Não espanta, pois, que a degradação da justiça tenha atingido o ponto sem retorno a que chegou.

É óbvio que as consequências desta situação vão ser devastadoras, até porque esse processo de degenerescência ocorre no quadro de um sistema político, também ele desacreditado e em falência. Mas isso não os preocupa nem parece incomodar muito os titulares de outros poderes soberanos.

in: JN

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