13 de dezembro de 2010

WikiLeaks: as dúvidas


"Ao jornalista sempre caberá o papel de mediador da informação, não como mero ponto de passagem, mas como garantia de mensageiro fiável que se sujeita a normas e a princípios

Seria eu capaz de publicar aqui no JN a informação que a WikiLeaks disponibilizou para alguns grandes jornais do Mundo que contém revelações bombásticas sobre a diplomacia mundial, sobre alguns estadistas e sobre o comportamento dos EUA em muitas ocasiões recentes? Coloco-me esta pergunta desde o início da semana, quando recusei participar, precisamente por não ter certezas e por ter pouco tempo para partilhar e discutir dúvidas, num fórum da TSF sobre este tema. Tenho lido e ouvido e, não tendo ainda uma certeza - tê-la-ia, certamente, se fosse mesmo confrontado com a possibilidade de aceder a tais informações -, já tenho menos dúvidas e estou mais certo de que não publicaria.

Vejamos: toda a informação ali contida é informação a que este jornal, como todos os jornais portugueses, não conseguiria aceder, nem teria meios para desenvolver o esforço financeiro que lhe permitisse confirmar, ou não, a informação que lhe seria posta em mãos. Aceder-lhe, seria, por tudo isso, uma enorme oportunidade. Porém, a informação ali contida provém de fonte anónima. Isso não é um mal em si mesmo, mas obriga a uma confirmação dos factos muito séria. Acresce que não se conhece a motivação de quem fornece a informação e, do que julgo saber, denegrir a diplomacia norte--americana não parece uma motivação séria. Os EUA têm coisas boas e coisas péssimas, mas não creio que a existência destas nos legitime a qualquer tipo de perseguição ou punição. Acresce que não me descansa o facto de os atingidos poderem defender--se e refutarem acusações, pois bem sabemos os danos que uma informação, uma vez difundida, pode causar.

Curiosamente, foi ao ouvir na televisão um diplomata, salvo erro António Tânger, defender a transparência da diplomacia, que me ocorreu a ideia contrária: se a actividade diplomática for transparente a ponto de tudo se dever saber, ela é ineficaz e por isso mesmo inútil. Acredito que há uma área reservada nas relações entre os estados, e também na política interna, que carece de reserva. E a maledicência, como alguma que veio agora a público, pura e simplesmente não é notícia.

A ideia libertária de que os jornalistas não podem esconder informação não colhe. Desde logo, porque há circunstâncias em que há deveres que se sobrepõem ao direito de informar. Senão, tudo se publicaria - há infelizmente quem o defenda - e nem seriam precisas normas para a profissão. Além disso, tenho-me perguntado por que é que o WiliLeaks, ou o OpenLeaks, que promete informações bombásticas para amanhã, não têm os seus meios de comunicação, não produzem e publicam a informação com jornalistas seus, e preferem canalizá-la para outros, aproveitando-se da sua credibilidade.

A Internet veio permitir a circulação de muita informação. Mas nem toda ela é credível e, segundo aquilo em que acredito, nem toda ela é publicável no que convencionámos chamar de jornais. Se estes, para sobreviverem, vão ter de entregar princípios éticos e deontológicos, deixando que o leitor, a sua consciência, faça o crivo, eu pessoalmente abençoo a chegada próxima da idade da reforma para não participar disso. Mas não acredito que esse seja o futuro: ao jornalista sempre caberá o papel de mediador da informação, não como mero ponto de passagem, mas como garantia de mensageiro fiável que se sujeita a normas e a princípios para comprovar e publicar informação. Não há que ter medo: não publicar pode não significar submissão ao Poder. A função de contra-poder que sempre cabe ao Jornalismo deve é ser feita obedecendo a valores".

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